Skip to content

Amar o Minho

Os bordados, o figurado de Barcelos e a filigrana são três das artes tradicionais certificadas com expressão no Minho. Quem vive delas vê vantagens na certificação.

Amar o Minho

Os bordados, o figurado de Barcelos e a filigrana são três das artes tradicionais certificadas com expressão no Minho. Quem vive delas vê vantagens na certificação.

Amar o Minho, a partir das suas artes tradicionais

Nelson Oliveira não nasceu em casa de ceramistas, como acontece noutras famílias que elevaram aos píncaros da fama a arte do figurado de Barcelos. No momento de passar da pintura, que continua a produzir, para o barro, este artista de Areias de Vilar convenceu os clientes não apenas pelo jeito, aprendido com outros artesãos da terra, mas pelo facto de, sendo esta uma arte certificada, ter conseguido, pelo seu trabalho, acesso a essa certificação.
Esta foi a via encontrada nos últimos anos pelo consórcio Minho In para valorizar as artes tradicionais e os respetivos produtores. E as histórias de Nelson, da bordadeira Conceição Pimenta e da joalheira Elsa Rodrigues confirmam o impacto positivo desta opção.
Nelson Oliveira, 40 anos, parece que nasceu no meio do barro. Mas isso não é verdade, e, numa terra com tantos e tão bons artistas do figurado, o próprio assume que a certificação lhe garantiu o lugar que procurava entre gente que admira e com quem aprendeu. Encontrámo-lo no seu estúdio, a reinventar o símbolo de Barcelos. Feliz com a vida que leva, entre os quadros que ainda pinta, e as peças a que agora dedica mais tempo e mais empenho criativo. Um destes dias, o certificado que apõe em cada peça talvez nem seja necessário – bastará o nome que vem moldando desde 2009. Mas, mesmo nesse dia, a certificação terá cumprido o seu papel.

Aprender a amar o Minho

Quando Nelson Oliveira estava a dar os primeiros passos com o barro e os teques, o consórcio Minho Inovação dava os primeiros passos na tentativa de moldar uma estratégia comum aos 24 municípios das comunidades intermunicipais (CIM) do Ave, Cávado e Minho-Lima. Desde então, e já a caminho do terceiro ciclo de financiamento comunitário, estas autarquias trabalham em conjunto para promover um território a que sentem pertencer, apesar da atual organização administrativa que os separou. E fizeram de “Amar o Minho” não apenas um slogan, mas uma razão de ser que ecoa em projetos como o da valorização e promoção do artesanato certificado do Minho.
É terreno difícil, o da identidade regional. Ainda mais num país que foge da regionalização como o diabo da cruz; que acabou com os distritos – mas os mantém nos círculos eleitorais, por exemplo – e que substituiu a antiga nomenclatura das províncias ensinada na escola dos mais antigos de nós por outra, a das NUT III, das CIM e áreas metropolitanas de geometria variável, e adesão voluntária. Neste contexto, o Minho é um lugar que, legalmente, não existe. Mas que persiste. E há quem veja neste espaço tripartido o potencial de uma marca única, reconhecível. Pelos que cá vivem, e pelos que a visitam.

Investir na identidade…

“O Minho In tenta partir de uma realidade existente que é o Minho, e de uma identificação que existe e que se reflete nas pessoas, nos produtos, ou na paisagem, e tenta reforçá-la, investir nela e de alguma forma refleti-la externamente. Tentamos que as pessoas sintam que pertencem a uma comunidade e que essa comunidade é reconhecida e seja atraente fora do Minho”, explica José Paulo Queiroz, atual primeiro secretário da CIM do Alto Minho, a entidade líder do consórcio.
Ao longo dos últimos dois ciclos de financiamento comunitário, as três CIM procuraram “na paisagem e na cultura” pontos de contacto com isso de ser “minhoto” e tentaram valorizar múltiplas manifestações, locais e regionais, em benefício de uma identidade supramunicipal, regional: que alimente o sentimento de pertença, como refere José Paulo Queiroz, mas que abra o apetite aos forasteiros.
Nesta conversa, as metáforas alimentares fazem bastante sentido. Por aqui come-se bem. E não espanta, por isso, que o consórcio se tenha empenhado em editar um portentoso Referencial Gastronómico do Minho, ao mesmo tempo que instiga jovens estudantes de cozinha e hotelaria a inovar, integrando nas suas receitas produtos tradicionais e elementos desta cultura gastronómica regional, através do concurso Young Chef Awards.

… e na autenticidade

“Nós não podemos vender coisas falsas. Quer dizer, nós não podemos promover uma coisa que depois não seja sentida. E eu acho que isto é sentido. O nosso trabalho é puxar esse sentimento, revelá-lo, refleti-lo, promovê-lo. E é isso que temos vindo a tentar fazer”, continua José Paulo Queiroz, que integra nesta forma de entender o trabalho conjunto das três CIM o esforço de valorização das artes tradicionais, certificando as que ainda não estavam certificadas e puxando pelo conjunto, como expressão desse “Minho autêntico”.
A autenticidade, no caso das artes tradicionais, implica a adesão a um conjunto de práticas e matérias-primas, por exemplo, codificadas no processo de certificação. Nem todos a entendem como uma mais-valia, e há até quem prefira seguir o seu caminho, explorando novas abordagens para materiais locais e técnicas ancestrais. Mas há também quem procure exprimir a originalidade do seu trabalho no contexto exigente da certificação, esperando que, graças a ela, os clientes não tenham dúvidas, desde logo, de que estão perante uma peça feita à mão, por aquele artesão ou artesã.

A filigrana certificada

É assim que, na Oficina do Ouro, em Sobradelo da Goma, na Póvoa de Lanhoso, se entende a mais-valia da certificação. Numa empresa familiar que também produz algumas peças de ourivesaria com recurso a máquinas e moldes, a filigrana é certificada, seguindo gestos e padrões que se perdem na memória. O pai de Elsa Rodrigues, de quem a ourives herdou cadernos com desenhos, o gosto e o jeito, aprendeu com o avô, mas é preciso recuar ainda uma outra geração, até ao bisavô dela, Isidro, para chegar ao momento inicial desta história que deverá ter continuidade na próxima geração, espera. Elsa Rodrigues, que não tem memória dos seus primeiros passos, mas sente que passou toda a vida nisto, assume-se como uma apaixonada por uma arte que leva longe o nome da Póvoa de Lanhoso e de Gondomar, os dois concelhos mais ligados à filigrana. A oficina do Ouro emprega seis pessoas nas mesas de trabalho, mais cinco noutras funções, vende para clientes de todos os continentes, seja diretamente, seja a partir de ourivesarias, e se há quem procure peças originais, e os desafie, como acontece com alguns artistas, a associar o seu saber a outras expressões culturais, na maior parte dos dias os dedos concentram-se na minúcia de produzir peças cujo desenho se perde, como esta arte, na história.

Os bordados, em Viana

A melhor montra para a filigrana portuguesa não está, como se sabe, nos concelhos que melhor a produzem, mas na foz do Lima. Viana do Castelo – ou mais concretamente, as mulheres de Viana – continuam a ostentar brincos e corações, que se multiplicam em dias de festa, como os da Senhora da Agonia. Partilhando o palco das ruas com outros símbolos da região, como os bordados. Conceição Pimenta conhece-os a todos: aos bordados de Viana, que começou a fazer vai para quase sete décadas, com a mãe, as tias e a avó; aos de Guimarães, que também sabe executar, ou aos lenços de namorados do Minho, que, explica-nos, têm variantes em vários pontos da região. Em pleno centro da cidade, na casa Sandra, que o marido herdou há 30 anos, na mesma altura em que ela passou a dedicar-se a esta atividade, o linho bordado faz companhia a um sem fim de peças de artesanato certificado. Da região, pois claro, mas de outros pontos do país. No Minho estão ainda certificados os bordados de São Miguel de Carreira. O traje de Viana, a cantarinha dos namorados de Guimarães, a olaria de Barcelos (para além do figurado local), a cestaria de junco de Forjães, em Esposende, e a viola braguesa. Na região há artesãos que trabalham outros produtos certificados, mas com expressão nacional, como acontece, por exemplo, com o cavaquinho, e não faltam tradições de outro tipo a merecer atenção e esforços de salvaguarda.

O risco do envelhecimento

Ainda assim, a certificação não é, por si só, garantia de futuro para as atividades que visa defender. Conceição Pimenta, já com quase 75 anos, queixa-se do envelhecimento das bordadeiras a quem pede e compra trabalho. A artesã, uma embaixadora convidada para feiras em vários pontos do país e do estrangeiro, que olha para a arte como um trabalho coletivo, a várias mãos, considera que os municípios deveriam tomar em mãos a tarefa de criar condições para que esta herança não desapareça e encontre mãos que transportem para o futuro.
Será um desafio mais para o consórcio MInho In, que está a preparar a sua estratégia para o ciclo de financiamento europeu em curso. Havendo sempre espaço para a inovação, esta não deixará de se apoiar no que já foi feito, e o balanço, assegura José Paulo Queiroz, é muito positivo, quer do ponto de vista quantitativo, quer na qualidade das iniciativas. Recém-chegado ao cargo que ocupa, o primeiro secretário da CIM do Alto Minho não deixa de elogiar o legado de persistência deste consórcio, de resistência às lógicas de curto prazo, assentes nos ciclos de financiamento. E deixa uma outra reflexão: “A cooperação não está muito na moda, por estes dias, como se nota pela situação internacional. Mas aqui privilegiamos precisamente essa associação de esforços, em torno de um objetivo comum”.

Partilhar este artigo:

Facebook
X
Threads
LinkedIn
WhatsApp
Email

O que nos move a ser mais.

Ficha Técnica

Textos: Abel Coentrão e Luísa Pinto

Fotografia e Vídeo: Teresa Pacheco Miranda

Edição: Gabinete de Comunicação da CCDR NORTE

Coordenação: Jorge Sobrado

Identidade Gráfica: Opal Publicidade