Skip to content

BECA

Projeto de desporto escolar em Celorico de Basto tem impacto positivo no percurso académico e desportivo dos estudantes. O BECA é um caso a seguir e a replicar.

BECA

Projeto de desporto escolar em Celorico de Basto tem impacto positivo no percurso académico e desportivo dos estudantes. O BECA é um caso a seguir e a replicar.

“E o que é que nós somos? BECA! BECA! BECA!”

João Varejão ainda se recorda da desconfiança com que a criação de um clube de andebol na Escola EB 2, 3 e Secundária de Celorico de Basto foi acolhida por alguns professores – que aquilo ia cansar e distrair os alunos; que eles andavam irrequietos, diziam-lhe nos primeiros tempos. Ele pediu-lhes paciência. E logo no final desse primeiro ano letivo, em 2012, convencida pelo comportamento nas aulas e pelos resultados escolares, uma das colegas mais céticas foi a primeira a dar a mão à palmatória. Metaforicamente, claro.

Na escola pode já não haver reguadas, mas as dores são muitas: Professores cansados e desmotivados; alunos e alunas distraídos por múltiplos estímulos digitais; pais em trânsito, entre mil e uma obrigações. Uma delas é o prolongamento dos horários das crianças e adolescentes que praticam desporto, e que o fazem quase sempre em clubes locais, quase sempre após as aulas, ao fim do dia, treinos intrometendo-se no jantar, no tempo dos trabalhos de casa e do descanso, cada vez mais tardio.

Não é em Celorico. É em todo o país. E numa sociedade que quase só vê bola nos pés, foi com uma bola na mão que João Varejão conseguiu dar a volta a isto. O Bastinhos Escola Clube de Andebol de Celorico de Basto pôs o desporto, e este desporto em particular, no centro da vida e do tempo da escola. Pôs centenas de miúdos e miúdas a praticar esta modalidade de pavilhão, associando ao bem-estar físico a promoção de valores como o espírito de equipa, a disciplina e responsabilidade perante o grupo – extensível aos pais, que aprendem a respeitar o papel dos filhos nas equipas –, e sim, os resultados escolares.

Sucesso desportivo e académico

“Dos 11 alunos que tínhamos no BECA do 12.º ano que se candidataram à universidade, todos entraram”, contabiliza, com orgulho, João Varejão. Uma delas, Inês Sousa, atleta internacional, está a estudar medicina na Universidade do Minho, apoiada pelo clube que a contratou, o ABC de Braga, um dos históricos do andebol em Portugal.

A lateral esquerda passou parte do 12.º ano a tratar uma das lesões mais temidas por desportistas, uma rotura de ligamento cruzado anterior, o que a aproximou ainda mais do BECA. Passava as tardes no pavilhão, em tratamento, e foi nesse contexto de recuperação que, estimulada pelas competências de quem a tratou, decidiu, pouco antes das candidaturas, que iria seguir medicina. Tinha notas, podia escolher.

Se a vocação pela carreira médica parece tardia, a do andebol é antiga e deve tudo ao BECA, que no 5.º ano lhe escancarou as portas para uma modalidade desconhecida. O desporto passou a fazer parte da sua vida, apesar da desconfiança inicial dos pais, que viam a dedicação da filha como uma “distração” dos estudos. “Tínhamos treinos de uma hora, e eu acabava a passar a tarde no pavilhão”, recorda Inês, acrescentando que se treinava com as raparigas, mas também com os rapazes, para poder estar mais tempo na quadra.

“Cheguei a treinar dez vezes por semana, mas tive sempre boas notas”, afirma a atleta lateral direita que, em Braga, mantém o ritmo e, para além do ABC, ainda arranja tempo, para lá dos estudos, para competir pelo clube da universidade. Dada a exigência de um curso como o de Medicina, Inês Sousa não sabe por onde seguirá a sua carreira desportiva. Sabe é que quer continuar a jogar enquanto puder e, com o joelho recuperado, sonha com um regresso à seleção feminina.

Uma família de andebolistas

Ao contrário de Inês, Nuno Queirós, outro internacional forjado em Celorico, não precisou de se lesionar com gravidade para descobrir que queria estudar fisioterapia, mas o contacto com a medicina desportiva e a preparação física influenciou-lhe as opções, também. O aluno da Escola Superior de Saúde do Porto saiu de casa, e do BECA, para a Sanjoanense, e foi, entretanto, contratado pelo Águas Santas, da Maia, outro clube com pergaminhos neste desporto, e por onde passaram quatro dos selecionados por Paulo Jorge Pereira para o incrível Mundial que Portugal protagonizou em 2025, e que terminou com um inédito quarto lugar.

De modalidade estranha ao quotidiano da família, e também desvalorizada pelos pais, nos primeiros tempos, o andebol é agora o desporto-rei na casa deste pivot que ambiciona regressar aos “AA”.  A irmã do meio, Beatriz, é outra “BECA” a estudar Saúde Ambiental, também no Porto, e a jogar no CAL, de Leça, em Matosinhos. E abaixo deles, a mais nova, Jéssica, está no 12.º ano, na terra natal… a jogar andebol também.

Na conversa com Nuno e Inês, é notória a profunda admiração e gratidão pelo papel nas respetivas vidas do BECA e de João Varejão, atual selecionador dos sub-17 e presidente da Associação Portuguesa de Treinadores. Natural do concelho vizinho de Amarante, professor de educação física com formação específica no treino deste desporto, Varejão chegou à EB 2,3 e Secundária de Celorico há mais de uma década. E ficou, ao fundar o clube, alimentando-se, também ele, da alegria dos atletas e do espírito de camaradagem que o projeto gerou.

O efeito multiplicador

A sua história é uma daquelas em que se prova que o impulso de uma pessoa, quando devidamente apoiado, pode ter um efeito multiplicador na comunidade. E o impacto é mais notório em territórios em perda de população, carentes de gente, de massa crítica. Que é atraída, normalmente, para os grandes centros urbanos, cidades que em Portugal albergam, também, os grandes clubes desta e de outras modalidades.

João Varejão é o pai e o rosto do BECA. É adorado por quem lá está e por quem de lá saiu, e o seu entusiasmo alastra a quem trabalha com ele no clube. O ambiente gerado no pavilhão aparentemente igual a tantos outros é de tal forma singular que Sérgio Miranda, professor de Educação Física aqui chegado há três anos, rapidamente se afeiçoou à escola e à vila. De tal forma que a família – ele, mulher e três filhos – mudou-se do Porto para Celorico. E os três rapazes são, claro, três atletas a engrossar o contingente dos Bastinhos.

“Este é um projeto pelo qual vale a pena estar cá, que vale a pena viver”, assume Sérgio Miranda, que encontrou em Celorico algo com que sonhava: uma escola “com um projeto desportivo de referência a nível nacional”. Algo que, mesmo numa fase adiantada da sua carreira de docente, o faz “crescer enquanto pessoa, professor e enquanto treinador”, com os alunos, com os colegas treinadores e com João Varejão.

“Se existissem projetos BECA por esse país fora, em todas as modalidades, as comunidades, as vilas, as cidades iriam ganhar; o desporto iria ganhar, iria crescer. Somos um projeto que trabalha dentro da escola, com articulação entre o clube e o agrupamento de escolas, elogia este pai, professor e treinador, com palavras sublinhadas pelo diretor do agrupamento, Domingos Carvalho: um orgulhoso encarregado de educação de outro dos internacionais das seleções jovens “made in BECA”, Afonso Novais, atleta do FC Porto.

Em Celorico sonha-se mais alto

Foi a perceção do impacto da prática desportiva na autoestima e no desempenho académico e desportivo de crianças e adolescentes que levou o Município de Celorico de Basto a apoiar o BECA desde o primeiro momento e a candidatá-lo a financiamento enquanto projeto enquadrável no Plano Integrado e Inovador de Combate ao Insucesso Escolar do Tâmega e Sousa. O apoio permitiu-lhes, por exemplo, contratar um professor dedicado a acompanhar, mais de perto, o percurso escolar dos atletas.

Terminado este financiamento do Norte 2020, e enquanto aguarda novas oportunidades para reforçar o projeto, a autarquia continua a acarinhá-lo e a suportá-lo, consciente do impacto da iniciativa que, só no ano letivo de 2024/2025 envolve 250 alunos e alunas de vários ciclos de ensino, espalhados por 15 equipas. É um número considerável de praticantes, numa população escolar concelhia de pouco mais de 1700 estudantes.

A vereadora da Educação e Desporto, Maria José Marinho, releva o facto de o projeto permitir conciliar a escola com a prática desportiva, promovendo valores como a solidariedade e o fair-play em contexto escolar. Instigado pelo sucesso desta iniciativa e pelo impacto que ele vai tendo fora dos muros da escola e dos limites do concelho, segundo a vereadora, o presidente da Câmara já sonha, inclusive, em criar em Celorico de Basto um centro de alto rendimento para esta modalidade. Se, sem ele, o concelho já atraiu atletas/estudantes de Viseu e um outro da Hungria, imagine-se o que poderia acontecer com melhores condições de prática desportiva e alojamento.

João Varejão olha para tudo o que vai acontecendo com orgulho e com espaço para muita expectativa, ainda. Passados 12 anos, o BECA não o cansa, multiplica-o. Nota-se na voz, no modo vibrante com que fala das mais de 600 crianças e jovens que lhes passaram pelas mãos, do bem que o acesso gratuito a um desporto lhes faz, do reconhecimento já recebido, quer pela Federação de Andebol de Portugal, quer do Ministério da Educação. E, claro, abrem-se-lhe ainda mais sorrisos quando fala dos dez atletas internacionais ali formados, e que o clube decidiu imortalizar numa enorme lona fixada no pavilhão, para inspirar os mais novos.

Há uns anos, ao saber deste contributo do projeto de Celorico de Basto para as seleções de andebol, o treinador dos Sub-21 de futebol, Rui Jorge, terá comentado: “alguma coisa alguém não está a fazer bem à vossa volta, porque, se vocês, com esse projeto, conseguem ter dez internacionais… O treinador dos Sub-17 não tem dúvidas que, se mais BECAS houvesse pelo país, “o nível do andebol português elevar-se-ia de forma significativa”.

O BECA foi um sonho que continua, assim, a alimentar sonhos, num concelho em que, como em tantos outros, o andebol não passava de uma modalidade com umas horas de aprendizagem nas aulas de educação física. Em Celorico de Basto já se organizam seminários internacionais dedicados a este desporto e até cursos de treinadores, por exemplo. O selecionador dos seniores, Paulo Jorge Pereira, um amigo, nascido em Amarante, como Varejão, é presença assídua nestes encontros, e conhece muito bem estes Bastinhos que, a cada treino, gritam com orgulho: “E o que é que nós somos? BECA! BECA! BECA!”

Em Portugal, o andebol raramente dá capas em jornais desportivos – um eufemismo para jornais quase só de futebol. Não tem dezenas de comentadores encartados a esmiuçar jogadas e arbitragens e, na TV, a equipa nacional passa na RTP 2. Como o próprio selecionador Paulo Jorge Pereira recordava em Janeiro de 2025, na antevéspera da inédita meia-final contra a poderosa Dinamarca, tiveram de suplantar todas as expectativas, para ver esse jogo chegar ao horário nobre da RTP 1 e a uma audiência mais vasta. A torcer por eles, à frente dos ecrãs, muitas crianças e jovens de Celorico de Basto, graças ao BECA, ganharam o direito a sonhar, um dia, fazer parte dos próximos Heróis do Mar.

Partilhar este artigo:

Facebook
X
Threads
LinkedIn
WhatsApp
Email

O que nos move a ser mais.

Ficha Técnica

Textos: Abel Coentrão e Luísa Pinto

Fotografia e Vídeo: Teresa Pacheco Miranda

Edição: Gabinete de Comunicação da CCDR NORTE

Coordenação: Jorge Sobrado

Identidade Gráfica: Opal Publicidade