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Convento de São Francisco

Com uma história anterior à nacionalidade, o Convento de São Francisco de Real, aguarda por um uso compatível com a riqueza patrimonial do conjunto em que insere.

Convento de São Francisco

Com uma história anterior à nacionalidade, o Convento de São Francisco de Real, aguarda por um uso compatível com a riqueza patrimonial do conjunto em que insere.

Da ruína a um futuro como pólo arqueológico regional

Quem lhe veja, em fotografias, o estado de ruína em que há uns anos se encontrava quase não reconhecerá o Convento de São Francisco de Real, em Braga. Submetido a cuidadas obras de restauro e reabilitação, para um destino que, entretanto, se não cumpriu, o cenóbio, fundado no Séc. VII por São Frutuoso e entregue aos franciscano do século XI, pode vir a ter um “futuro feliz” – palavras do arqueólogo que melhor o conhece, Luís Fontes – se, como se anuncia, no próximo capítulo da sua já longa existência, se tornar na sede do pólo arqueológico da Comunidade Intermunicipal do Cávado. Um destino aplaudido por quem o tem tentado manter de pé.
Comprado pelo Município de Braga em 1997, depois de mais de século e meio como quinta privada, o antigo Mosteiro de São Francisco de Real já esteve para cair, e não caiu. Já esteve, neste nosso século, para ser pousada da Juventude, e, por falta inadequação aos propósitos de salvaguarda do conjunto arqueológico e patrimonial e por falta de financiamento, escapou a esse destino. Esteve, em anos recentes, para ser a casa da Unidade de Arqueologia da Universidade do Minho, mas, por razões várias, também acabou por não servir tal propósito.
Ninguém sabe se o bispo São Frutuoso, cujos restos mortais (ou parte deles, para sermos mais corretos) jazem no mausoléu visigótico situado entre a igreja e o antigo mosteiro franciscano, tem outros planos para este cenóbio, herdeiro do que ele fundara no século VII. Mas, mesmo sem acesso ao outro mundo, quem conhece bem a história do sítio considera que o propósito acarinhado pela CCDR Norte e pelo proprietário, o Município de Braga, de fazer dos espaços conventuais entretanto reabilitados, a sede de um futuro pólo arqueológico regional, condiz bem com o seu passado.

Projeto “é crucial”

Servir o vasto património da Comunidade Intermunicipal do Cávado pode assegurar-lhe uma existência digna e duradoura. “O Património é uma atitude cultural. Temos de fazer a nossa intervenção, mas deixar que o futuro se manifeste nele”, afirma Maria Manuel Oliveira, investigadora do Centro de Estudos da Escola de Arquitetura, Arte e Design da Universidade do Minho, e coordenadora do projeto de restauro e reabilitação deste conjunto.
A afirmação da arquiteta refere-se tanto à abordagem levada a cabo na obra realizada, em que alguns elementos novos foram introduzidos, dialogando com o edificado reabilitado, como a esta saída encontrada para um património que, sem um uso adequado, se poderia facilmente voltar a perder. E quer o proprietário do espaço, o Município de Braga, quer o arqueólogo Luís Fontes, que tanto escavou e publicou, concordam que a opção “é crucial para a arqueologia regional, pois permitiria acolher os espólios e a documentação das inúmeras intervenções arqueológicas realizadas nas últimas décadas”.
O arqueólogo passou 15 anos a estudar o convento entregue aos franciscanos no século XVI por um dos grandes bispos de Braga, D. Diogo de Sousa, e ampliado, dois séculos mais tarde, com o patrocínio de outro importante prelado bracarense, D. Rodrigo da Moura Teles. Conhece bem todas as camadas de uma história que deve a sua importância, e o interesse que sempre suscitou, ao facto de outro grande bispo de Braga e de Dume, São Frutuoso, ter decidido, bem antes, no século VII, erguer aqui, nos limites do termo dumiense, o convento de São Salvador de Montélios, que escolheu para sua sepultura.

Um conjunto notável

Desse tempo, salta à vista o notável mausoléu visigótico, de claras influências da arquitetura bizantina, já raras no ocidente europeu. A capela foi erguida à condição de monumento nacional em 1944, mesmo estando vazia há séculos, depois de Diego Gelmírez, arcebispo de Compostela, ter em 1102 levado de várias igrejas de Braga para Santiago as relíquias de Santa Susana, São Cucufate, São Silvestre e as de São Frutuoso. O “Pio Latrocínio”, como ficou conhecido, faz parte da história da competição entre as duas grandes dioceses do Noroeste peninsular. E só em 1967, com grande pompa, uma parte das relíquias foram devolvidas à procedência.
O mausoléu do século VII, alvo de Intervenção dos Monumentos Nacionais nos anos 40 do século XX; a igreja do século XVIII, mandada construir por D. Rodrigo da Moura Teles; e o convento, substancialmente reabilitado e ampliado com o patrocínio deste mesmo arcebispo cujas armas estão à vista no teto de uma das celas, fazem parte de um conjunto que nos conta uma narrativa complexa. Na qual entram também as demolições – como a da igreja e do convento original – que a arqueologia permite conhecer e interpretar, ajudando-nos a viajar até ao tempo em que Portugal não fazia parte dos livros e a Galécia era disputada por Suevos, que fizeram de Braga a capital do seu reino, e Visigodos, que a mantiveram como importante capital provincial.

Como um palimpsesto

É por isso que Luís Fontes olha para São Francisco como um palimpsesto, rasurado várias vezes para que uma nova história pudesse ser contada. Um tesouro de muitas camadas, rodeado de outros, todos nas margens de uma antiga via romana. Da loggia, a varanda que se abre para a paisagem em volta, para além da expansão da cidade contemporânea avista-se, a norte, o Núcleo Arqueológico de São Martinho de Dume, que alberga o sarcófago do bispo homónimo e o que resta da basílica paleocristã do mosteiro por ele fundado do século VI. Adivinha-se também, para lá de um monte a oeste, o magnífico Mosteiro beneditino de Tibães, também ele recuperado da ruína e colocado ao serviço da cultura e do conhecimento.
Hoje parece haver um consenso, entre as partes envolvidas, em torno da ideia de que tal como aconteceu no projeto de restauro e reabilitação, nenhum programa de utilização futura deverá ignorar esta leitura de conjunto, mais ainda naquela que é conhecida como a “Roma Portuguesa” e cujo município, recentemente, associou a logomarca de Braga a esse património que ecoa das torres sineiras das inúmeras igrejas, sublinhando-a com o lema “Soa a Futuro”. O diretor municipal de Cultura e Turismo, Porfírio Correia, afirma que o Convento de São Francisco se reveste “de uma extrema importância para a dinâmica cultural” da autarquia, assente no plano estratégico Braga Cultura 2030.
Porfírio Correia considera que o convento ganha em abrir-se à visitação, fruição, mediação educativa e cultural, envolvendo a comunidade escolar, científica e os turistas. E sendo São Francisco o patrono da ecologia, o facto de parte da antiga cerca conventual ter sido adaptada, pelo município, a quinta pedagógica, em 2004, e de se prever, ainda, a reabilitação dos restantes espaços exteriores, incluindo as infraestruturas de circulação de água, o antigo cenóbio pode vir a ganhar um forte cariz ambiental. Isso já estava previsto no projeto de arquitetura paisagista, que não chegou a ser concretizado, da autoria de Maria João Dias Costa, profissional com experiência profunda nesta área e autora do projeto para a cerca de Tibães.

Um trabalho a muitas mãos

Maria Manuel Oliveira sustenta que o projeto do convento de São Francisco implicou um labor de investigação arquitetónica, para além daquela que a arqueologia foi, em paralelo, fazendo, para se aproximar da matriz original da organização do conjunto, e da sua relação com o mausoléu e a igreja. E para a qualidade daquilo que foi possível concretizar, com os 2,5 milhões de euros investidos pelo município, com apoio do Norte 2020, a investigadora não deixa de destacar o contributo da construtora, a AOF.
Esta empresa familiar de Braga, especializada em restauro de património, tem, entre os seus quadros, gente conhecedora de antigas técnicas e materiais de construção, com as quais a projetista desenvolveu, ao longo do processo, um diálogo frutuoso. Entre restauro e intervenção nova, o convento recuperou estabilidade, dignidade e aptidão para visitas. “A solução foi reabilitar o convento como um edifício estaleiro, para o tornar num objeto de estudo, ao ter coisas acabadas e outras inacabadas”, explica a responsável pelo projeto.
Os andaimes, deixados em várias divisões, cumprem a sua função, mas abrem-se a outras, como a de serem suporte para exposições de fotografia, como já aconteceu. Na loggia, quadrados de linhas azuis feitas com o tradicional fio blue usado para marcações, em construção civil, evocam os azulejos que revestiam as paredes. Uma “obra de arte” da arquiteta e do encarregado da empresa, cujos operários tiveram direito a uma homenagem na antiga sala de reuniões, na qual foi deixado um cimbre, o molde de ferro usado para reconstituir o teto abobadado.
Concluído em 2024, o projeto de Conservação, Valorização e Promoção do Convento de S. Francisco de Real só foi possível graças à colaboração entre o Município de Braga, a Universidade do Minho, a CCDR Norte e a Paróquia de Real, que tem ao seu cuidado a igreja anexa. Ciente do que ficou por fazer, Luís Fontes elogia o trabalho realizado, de grande exigência, que foi intransigente com a recuperação do que havia para recuperar, ao mesmo tempo que abriu o antigo convento para novos usos.
“Um dos bons contributos que os arqueólogos podem dar [à sociedade] é converter ruínas em monumentos”, afirma. Agora, é preciso um novo impulso para que este monumento se transforme num equipamento de referência para a cultura regional, enquanto pólo arqueológico, e, depois dos vários projetos falhados, os sinais que lhe chegam agora são, assume, auspiciosos. “Estou com grande esperança de que isto tenha um futuro feliz”.

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Ficha Técnica

Textos: Abel Coentrão e Luísa Pinto

Fotografia e Vídeo: Teresa Pacheco Miranda

Edição: Gabinete de Comunicação da CCDR NORTE

Coordenação: Jorge Sobrado

Identidade Gráfica: Opal Publicidade