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Health Minho

Biobancos como os do Health-UNorte, com amostras de populações saudáveis e de doentes, são essenciais para estudar formas de deteção e tratamento de muitas enfermidades.

Health Minho

Biobancos como os do Health-UNorte, com amostras de populações saudáveis e de doentes, são essenciais para estudar formas de deteção e tratamento de muitas enfermidades.

Health-UNorte, a casa dos biobancos que podem salvar vidas

Um biobanco não empresta dinheiro. Mas aceita depósitos, e paga juros bastante altos, que, ao contrário do que acontece nos bancos normais, nos beneficiam a todos, e não apenas a quem lá deixou algo de si. Fugindo ao jargão da medicina e da investigação biomédica, podemos resumir desta forma a lógica e o impacto do projeto Health-UNorte, que a partir de Braga, e do Instituto de Ciências da Saúde e da Vida da Universidade do MInho (ICVS), juntou as três universidades nortenhas no propósito de criação de biobancos com amostras biológicas humanas que sirvam de base para o estudo e tratamento de várias doenças.
Num tempo em que as fronteiras se fecham, e “competição” se torna palavra de ordem dominante, ainda há, felizmente, quem acredite que a ciência precisa muito de cooperação, para avançar. Quando em Fevereiro de 2025 passamos pela Escola de Saúde da Universidade do Minho, pelos corredores da instituição ecoavam os receios dos primeiros cortes na investigação científica e no acesso de investigadores estrangeiros aos EUA, nas semanas inaugurais da Administração Trump. E o médico neurorradiologista Tiago Gil Oliveira, ainda a “ressacar” de toda a alegria que significou receber, semanas antes, o Prémio Bial de Medicina Clínica 2024, antecipava já os prejuízos desta política.

A vantagem do acesso franco

Médico na Unidade Local de Saúde de Braga e investigador principal no ICVS, Tiago recorreu a um biobanco nos Estados Unidos, precisamente, para realizar o trabalho premiado. Fazendo uso de informação imagiológica (ressonâncias magnéticas) e dados de avaliação anatomopatológica do cérebro após o falecimento de doentes com diagnóstico confirmado de doenças neurodegenerativas e os seus subtipos; e combinando a informação das ressonâncias magnéticas pré-morte com os dados neuropatológicos post-mortem, os investigadores da sua equipa conseguiram formular novas questões e encontrar novas respostas que poderão guiar o diagnóstico futuro e o tratamento “precoce e mais dirigido e específico” destas doenças.
“Estes biobancos fazem muito mais sentido quando estão integrados numa rede que seja acessível”, assinala o também professor da Escola de Saúde da UM, reforçando, com o seu testemunho, aquela que é a lógica, e a vantagem, do projeto de cooperação universitária Health-UNorte: Capacitar as universidades do Minho, de Trás-os-Montes e Alto Douro e do Porto, as três instituições associadas, com condições de ponta para a preservação de amostras biológicas; pôr os recursos de cada uma à disposição das restantes, ampliando o potencial decorrente da utilização de amostragens mais amplas no estudo de doenças do foro cardiovascular, infeccioso e neurodegenerativo, por exemplo.
“Imagine que eu estou a fazer um estudo em esclerose múltipla, que tenho ao meu dispor um conjunto de amostras de doentes e que validei os meus achados naquela população. Eu posso querer validar [esses dados] noutra população e é por isso que devemos recorrer a outros biobancos vizinhos. Esta comunicação entre os biobancos é muito importante”, reitera a investigadora Fernanda Marques, uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento da proposta de criação destes biobancos no consórcio UNorte e atual vice-presidente da Escola de Medicina da UM.

Digitalizar o trabalho

Antes de nos apresentar Tiago Gil Oliveira, que encontramos ocupado com mais uma entrevista sobre o prémio Bial, Fernanda Marques fez questão de nos levar a um laboratório, e mostrar um robô que já por cá andava, mas que ganhou relevância com o projeto. Um leigo valoriza com dificuldade o potencial do Explorer G3, controlado por Joana Sousa, investigadora contratada, ao abrigo do Health-UNorte, para lidar com estes equipamentos de produção, rotulagem e manipulação de amostras. Mas o facto é que eles revolucionaram o trabalho destes investigadores.
Graças aos equipamentos agora disponíveis, é possível, sem intervenção humana direta, fazer soluções com pequenas porções do material biológico. Podemos etiquetá-las com um código QR permanente – esqueçamos as etiquetas com tinta que desbota com o tempo – e identificar, numa base de dados, o seu conteúdo, data de produção, o número de vezes que foi usado, quanto conteúdo lhe resta, a sua localização num tabuleiro, a localização deste numa arca congeladora e, claro, os dados clínicos associados ao doador.
Entretanto, o Explorer G3, que trabalha 24 horas por dia, se for preciso, consegue pegar em cada um destes tubos, usar parte da amostra em ensaios e apresentar resultados num ambiente protegido de contaminações, preservando, assim, os bens básicos deste biobanco para a investigação científica futura.

Rastrear, rastrear…

A rastreabilidade é fundamental, nestes biobancos do século XXI. Permite saber o que se tem, onde e em que condições, de forma quase instantânea. Permite que alguém como Joana Sousa, à distância, produza, a pedido de outro investigador, um determinado teste. Se pensarmos nisto como uma rede de bibliotecas, com conteúdos (a informação) digitalizados, e acesso franco e universal, é mais fácil, mesmo a quem não seja da área, perceber o que podemos ganhar, todos, com estes bancos, que não deixam de ter um paralelo com as coleções de cianobactérias que o CIIMAR criou no âmbito do projeto Atlântida, também ele financiado pelo Norte 2020.
No caso do Health-UNorte, explica Fernanda Marques, há duas grandes categorias de amostras. As da população em geral, de gente saudável – que pode ajudar, por exemplo, a estudar os fatores associados à longevidade – e as de pessoas com determinadas doenças neurológicas, oncológicas e infecciosas. A grande riqueza desta instituição “bancária” é mesmo o historial clínico associado a cada amostra.
E na era em que meio mundo pede os nossos dados e os vende sem darmos conta, instituições como o ICVS e as suas congéneres da UNorte precisam muito que as pessoas confiem no seu trabalho e que aceitem partilhar com os biobancos esta informação. Que é sensível, mas que lhes pode, na verdade, salvar a vida, caso se perceba, por exemplo, que elas partilham com outros caraterísticas que as tornam propensas a determinadas doenças.

Os desafios a vencer

Projetos como este enfrentam, no entanto, vários desafios. Um deles é conseguir generalizar a partilha de amostras, por parte da população em todo o território nacional, o que passa, também, por um maior reconhecimento público da importância dos biobancos. Outro é alargar o âmbito do consentimento informado que qualquer pessoa tem de assinar, mas que, segundo Fernanda Marques, é normalmente destinado a uma finalidade muito específica.
A investigadora considera que teríamos muito a ganhar se esse consentimento fosse “mais aberto” de modo a que as amostras armazenadas hoje, por exemplo, pudessem, daqui a alguns anos, “com tecnologias diferentes, que ainda vão aparecer”, ser utilizadas em novos estudos não previstos. Isto, assegura, “sempre com o intuito de melhorar os cuidados de saúde e fazer novas descobertas para chegar a tratamentos que melhorem a qualidade de vida para as pessoas.
O outro desafio, nota Fernanda Marques, é conseguir financiamento para fazer crescer este biobanco, acomodando nele, por exemplo, o máximo de ficheiros de imagiologia (TAC, ecografias, etc) associados ao historial clínico de cada pessoa. Tal como no projeto de microscopia eletrónica avançada também financiado pelo Norte 2020, que o Laboratório Internacional de Nanotecnologia está a desenvolver a poucos metros da UM, o que acontece é que o armazenamento de imagens de alta resolução tem um custo considerável, bem como o equipamento informático necessário para aceder a essa informação. E estas instituições não conseguem suportar, sozinhas, esse investimento.
Depois, há as pessoas. Tal como noutros projetos que pressupõem a contratação de gente altamente qualificada para a gestão de infraestruturas e equipamentos digitais, as universidades portuguesas estão a competir entre si e com outros países, para atrair quadros. “É uma grande dificuldade que o nosso país enfrenta também”, admite a vice-presidente da Escola de Medicina da Universidade do Minho. “Não é que eu ache que esses recursos humanos faltem em Portugal, muito pelo contrário, nós estamos a prepará-los muito bem. No entanto, muitas vezes é difícil fixar essas pessoas em Portugal, por questões salariais.”
Vantagens e desafios identificados, o Health-UNorte tem ainda um longo caminho a percorrer, neste objetivo de integrar uma rede nacional de biobancos que alargue os benefícios destes repositórios de dados vivos a toda a comunidade científica nacional e internacional. Mas já é sintomático que as três grandes universidades públicas do Norte tenham, neste projeto, como no Atlântida ou no Agrifood XXI, percebido que, juntas, teriam mais sucesso. Puxando não apenas a região, mas todo o país, para um patamar superior, na investigação biomédica.

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Ficha Técnica

Textos: Abel Coentrão e Luísa Pinto

Fotografia e Vídeo: Teresa Pacheco Miranda

Edição: Gabinete de Comunicação da CCDR NORTE

Coordenação: Jorge Sobrado

Identidade Gráfica: Opal Publicidade