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Mosteiro de Ancede

Com projeto de reabilitação assinado por Siza Vieira, o antigo Mosteiro de Santo André de Ancede reabriu em 2023 e tem sido palco de uma programação eclética

Mosteiro de Ancede

Com projeto de reabilitação assinado por Siza Vieira, o antigo Mosteiro de Santo André de Ancede reabriu em 2023 e tem sido palco de uma programação eclética

Mosteiro reabilitado é uma âncora para o desenvolvimento cultural e turístico de Baião

A ruína a que o Mosteiro de Santo André de Ancede, em Baião, esteve votado nas últimas décadas do século XX não condiz com a grandeza que este cenóbio de fundação anterior à nacionalidade chegou a alcançar. Se queremos uma medida da sua importância regional de outrora, basta pensarmos que, no Porto, a 50 quilómetros desta encosta sobre o Douro, os monges crúzios chegaram a ter à sua disposição uma nau, com a qual exportavam para destinos tão importantes como a Flandres alguns dos seus produtos agrícolas, entre eles um vinho afamado.

Sem barcaça, mas salvo do naufrágio da decadência, o nosso século é de boa memória para este património. Comprado pelo município em 1985, o complexo que inclui a igreja paroquial, a Capela do Senhor do Bom Despacho, os aposentos monásticos e a cerca, com 13 hectares, foi elevado à categoria de Monumento de Interesse Público em 2013, já depois de uma

primeira fase de pesquisa arqueológica e consolidação do edificado que lhe permitiu, em 2010, passar a fazer parte da Rota do Românico.

Nesse esforço, foram recuperados espaços como o claustro, a sala de refeições, a despensa, a sala de profundis, a antiga cozinha e o armazém do mosteiro no piso térreo. No piso superior, embora com menos vestígios, foram identificados espaços como a sala do despacho, a cela dos procuradores-gerais, a barbearia, a botica e os antigos dormitórios dos monges.

Um novo papel

Depois dessa intervenção de consolidação, e afastada, pelo caminho, a perspetiva de uma venda, para instalação de mais um hotel, seguiram-se fases de reabilitação, a terceira das quais, um investimento de 3,14 milhões de euros, com projeto de Siza Vieira, teve um apoio de 2,7 milhões do Norte 2020. Obras que garantiram o encontro entre um passado carregado de história e um futuro que propõe para Santo André de Ancede um novo papel, o de Centro Cultural de Baião.

A regra já não é de Santo Agostinho, que era a seguida pelos irmãos de Santa Cruz. A regra é garantir uma programação eclética, contemporânea, seja nas exposições ou nos espetáculos, para que o mosteiro reaberto em Abril de 2023 volte a ser, como nos tempos áureos, “uma âncora para a região”, principalmente para estes territórios que não beneficiam do poder de atração de um Alto Douro Vinhateiro, património da UNESCO, mas que têm qualidades, na paisagem, na gastronomia ou no alojamento, que merecem não só uma visita, como podem contribuir para uma necessária dispersão da pressão turística.

Vereadora com os pelouros da Educação, Cultura e do Turismo, Anabela Cardoso, explica que o município pretende mostrar que o interior do país “também tem muito para oferecer em termos de cultura”. E isso pode ser uma ceia conventual, uma noite de poesia a copo, um concerto de Bia Maria – cuja sonoridade se alimenta, aqui e ali, da música de raiz popular,

com uma afirmação contemporânea e pop – um espetáculo de jazz ou de música clássica.

O tríptico flamengo e nau

O sincretismo é, na verdade, a imagem de marca do próprio MACC – Mosteiro de Ancede Centro Cultural, no qual tanto podemos assistir a uma exposição de alguns mestres da pintura contemporânea portuguesa, a propósito dos 50 anos do 25 de Abril, como, noutro espaço, a uma outra mostra, permanente, de arte sacra, a partir de uma coleção doada por António Manuel Miranda. Ou apreciar outra, ainda, sobre a história deste concelho que não muito longe dali, na Serra da Aboboreira, preserva vestígios de ocupação humana de há 4500 anos.

E a tudo isto soma-se um tríptico magnífico do século XVI, de autor desconhecido, mas de proveniência muito provavelmente flamenca, com as efígies de Santo André, à esquerda, São Bartolomeu manietando o Diabo, ao centro, e Santo António, à direita. Um painel em madeira de carvalho, pintado a óleo, que é, pelo seu detalhe, um tratado de arte sacra e de hagiografia, e em cujo plano de fundo vemos uma representação de um rio, com um navio fundeado. Como que evocando – a imaginação é livre – a tal nau dos monges desta casa.

A nau passou à história. A vocação produtiva do mosteiro, não. Na quinta, ela tem vindo a ser recuperada, tornando a cerca, como o centro cultural, em mais um gerador de emprego, algum dele fixo, parte dele sazonal. Nas encostas luminosas, voltadas para sul, os vinhedos da casta Avesso dão origem a um vinho verde monocasta de grande qualidade, o Lagar do Convento, que teve também direito à assinatura de Siza Vieira, que lhe redesenhou o rótulo. Por aqui se produz, ainda, laranja da pala – uma variedade regional e património genético deste Douro Verde que tem vindo a ser recuperado.

Recriar a comunidade

Há vontade de “mostrar que a agricultura pode ser rentável”. Alguma da produção é vendida, outra parte alimenta as cantinas de instituições particulares de solidariedade social. Tudo junto, o projeto alimenta a vontade de recriar aqui uma comunidade que mantenha vivo Santo André de Ancede. Aliás, Anabela Cardoso adianta que o projeto de reabilitação do mosteiro está inserido num processo de certificação de Baião como destino turístico sustentável, com base em quatro pilares – cultural, social, económico e ambiental – facilmente detetáveis no programa concebido para este património.

Lilite Joaquim é funcionária e guia de quem visita este centro cultural. E descreve o seu quotidiano como “uma experiência sempre surpreendente, com dias que nunca são iguais. O público varia, o que exige uma constante preparação para responder às perguntas dos visitantes, que vêm de diferentes lugares, tanto de Portugal como do estrangeiro”, assume.

De vez em quando, chegam-lhe pessoas das redondezas, com vontade de partilhar memórias das outras vidas deste cenóbio, que há décadas chegou a albergar uma escola, como recorda o zelador da igreja, Júlio Monteiro. Do que não há memória, obviamente, é dos monges que daqui saíram com a extinção das ordens religiosas, em 1834 – e que mesmo nos tempos de maior vigor desta casa “nunca foram mais do que uma dúzia, com quatro noviços”, explica Lilite.

A história e a lenda

Já muito se sabe sobre a história do Mosteiro de Ancede, que no século XVI passou a estar unido ao Convento de São Domingos, de Lisboa, e cujo fundo documental, na Torre do Tombo, está integrado no dos dominicanos. Mas ainda assim, há muito para procurar saber, ainda, assinala a vereadora da Cultura, tendo em conta a origem anterior à nacionalidade e as transformações que foi sofrendo. E, por isso, o local

continuará a ser alvo de investigação arqueológica e um campo fértil para descobertas que enriqueceram a história destes territórios.

Esta é feita de factos e de lendas, como a do próprio topónimo Ancede, que já se escreveu Ansede. Diz-se que D. Afonso Henriques, que em 1141 doou o couto de Santo André a D. Anaúfo, prior de uma comunidade monástica já instalada nesta região, a eles se referiu, certo dia, desta maneira: “Suposto que os Cónegos hão sede, mudem o Mosteiro que eu os ajudarey”.

Se tinham ou não sede não se sabe – a zona, aliás, é rica em cursos de água. Já a sua sede de administrarem vastos territórios em volta e até bens, como igrejas e casas, situados para lá deles, essa está bem documentada e levou a que fossem taxados em consonância, com o imposto a chegar às 550 libras anuais, logo no século XIV. Para termos uma noção, o valor era cinco vezes superior à média do que pagaria, então, por ano, uma igreja das Terras de Baião.

Sucessivas ampliações

O peso dos tributos à coroa não os impediu de prosperarem, de ampliarem as instalações monásticas e a igreja, de cuja estrutura primeva, de estilo românico, pouco se sabe. Desta fase, o elemento mais significativo que chegou até nós foi a rosácea românica, que ainda se conserva na parede traseira da capela-mor. Segundo uma monografia sobre este mosteiro, disponível no site da Rota do Românico, essa igreja primitiva seria bem menor que a atual, que é

o resultado de várias ampliações, ao longo dos séculos. Estas intervenções, introduziram no templo elementos arquitetónicos e decorativos barrocos e maneiristas, sendo este o seu carácter mais proeminente, desde o final do século XVII. A atual torre sineira, adossada à fachada, é já de meados do século XVIII, centúria na qual foi construída, no adro, a capela do Senhor do Bom Despacho.

Se foi a fé que ergueu as paredes do Mosteiro de Ancede, há nove séculos, foi também a fé que, agora, as reergueu. Uma fé assente na terra, no potencial desta terra, e no potencial de desenvolvimento que o património cultural tem para oferecer, mesmo em lugares descentrados das grandes rotas de peregrinação turística, como o concelho de Baião. Com o mesmo espírito empreendedor dos monges, os novos senhores do couto de Santo André brindam ao futuro, com um branco da casa. Ali ao lado, o Douro segue o seu caminho, vaidoso, perante o anfiteatro que o observa enquanto absorve o seu poder.

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Ficha Técnica

Textos: Abel Coentrão e Luísa Pinto

Fotografia e Vídeo: Teresa Pacheco Miranda

Edição: Gabinete de Comunicação da CCDR NORTE

Coordenação: Jorge Sobrado

Identidade Gráfica: Opal Publicidade