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Parque Serras do Porto

Reconversão florestal, turismo sustentável e participação comunitária: as Serras do Porto estão a transformar-se num modelo de conservação e desenvolvimento.

Parque Serras do Porto

Reconversão florestal, turismo sustentável e participação comunitária: as Serras do Porto estão a transformar-se num modelo de conservação e desenvolvimento.

Parque das Serras do Porto: Um Futuro Verde Entre Desafios e Oportunidades

A primavera anunciava-se na charneca, com os vários tons de lilás a pintar a encosta da serra que se avistava da rua que desce da aldeia de Belói, em São Pedro da Cova, concelho de Gondomar, até à aldeia de Couce, concelho de Valongo. Manuel Soares, 72 anos, usa o guarda-chuva como apoio na caminhada e vai controlando as três cabras que se alimentam nas bermas, rua abaixo, rua acima. De olhos azul-claro, sorriso franco e ouvidos teimosos, demora a perceber o que lhe dizem e a responder ao que lhe perguntam. Mas conta que já esteve na Islândia a abrir túneis e nas minas de Neves-Corvo a escavar novas galerias. Na Islândia ficou pouco mais de meio ano — “era muito frio”. Nas minas perto de Castro Verde também não ficou muito mais — “era muito perigoso”. Depois de casar, aos 23, comprou terreno, construiu casa e depressa quis voltar à sua terra. “Aqui, sim, temos sossego. E sossego é mesmo o melhor que há por aqui.”
Manuel Soares está numa das portas de entrada do Parque das Serras do Porto, uma Paisagem Protegida Regional que abrange uma extensa área de seis mil hectares — uma vasta mancha de território em plena área metropolitana do Porto, onde cabem seis serras, três municípios, dois rios e uma férrea vontade de requalificar tudo isto.
As serras são Santa Justa, Pias, Castiçal, Santa Iria, Flores e Banjas; os municípios são Gondomar, Paredes e Valongo; os rios são o Ferreira e o Sousa. A vontade férrea é dos autarcas, que, em 2017, criaram uma associação de municípios para gerir o parque e, desde então, têm dado passos firmes na recuperação deste território.

Manuel Soares fala de sossego, mas são centenas, milhares, as pessoas que todos os meses percorrem as encostas daquelas serras. Para caminhadas (há uma rede de mais de 200 quilómetros, ideais para passeios a pé, corrida ou caminhadas higiénicas com amigos de quatro patas), para fazer trails ou BTT, para escalada ou até circuitos de motocross. Também foi nesta área das Serras do Porto que se localizaram algumas das maiores explorações de ouro em galerias subterrâneas no tempo dos romanos — e por isso a serra de Santa Justa é uma espécie de queijo suíço, cheia de perigosos buracos escondidos pela vegetação. Há muitas razões para visitar o Parque das Serras do Porto. E os visitantes encontram sempre aquilo que procuram, sem que Manuel Soares perca aquilo que mais preza: o seu sossego.
Esse é o maior desafio do Parque das Serras do Porto. Congregar interesses e vontades numa área de quase 60 km², onde a maior parte do território é privado, é a tarefa hercúlea a que se dedica uma equipa reduzida de sete elementos: um diretor executivo, um administrativo, uma geóloga, um engenheiro florestal e três técnicos operacionais que, diariamente, percorrem a extensa área do parque. Um edifício degradado no centro de Valongo, datado de 1900 e de elevado valor arquitetónico, foi remodelado para se converter no Centro de Serviços do Parque das Serras do Porto, um equipamento de apoio cujo financiamento, de meio milhão de euros, foi garantido pelo FEDER.

Dínamo

A ideia de criar um parque desta dimensão e com este propósito nasceu no gabinete de José Manuel Ribeiro, presidente da Câmara de Valongo durante 12 anos, logo no início do seu primeiro mandato. “Depois de muito tempo a insistir com os meus colegas de Paredes e Gondomar, sentámo-nos pela primeira vez para falar deste assunto. Na altura, chamava-se ‘Pulmão Verde do Porto’, uma designação feliz cunhada na União Europeia.”
Estávamos em 2014, e o que se começou a fazer era, de facto, bastante invulgar para a época: três municípios uniram esforços, e as suas equipas passaram a trabalhar juntas para transformar uma vasta parcela do território. Uma parcela com cerca de 60 km² — “quase o tamanho do Alvão!” —, gerida através de um modelo semelhante ao da Comissão Europeia. Há uma direção executiva permanente, que garante a continuidade do trabalho e da implementação do projeto, enquanto a presidência política é rotativa, com mandatos anuais. A direção executiva, que durante muitos anos pertenceu a Raquel Viterbo, técnica da Câmara de Valongo, foi recentemente atribuída a Juliano Ferreira, ex-quadro da Lipor, a empresa multimunicipal que gere os resíduos da área metropolitana do Porto.
José Manuel Ribeiro gosta de usar a imagem dos antigos dínamos das bicicletas, que geravam eletricidade ao encostar na roda, para descrever a energia que este modelo de gestão traz ao projeto. “A cada ano, cada presidente quer deixar a sua marca, dar o seu contributo. Esse dinamismo acaba por funcionar como um acelerador, dando mais velocidade ao projeto”, assevera.
Seja pelo modelo de gestão, pela qualidade do projeto ou pelo empenho de todos os envolvidos, os resultados começam a ser visíveis. A primeira decisão estratégica dos autarcas, ainda antes de se pensar em sedes ou infraestruturas, foi investir na construção de conhecimento. Os primeiros fundos da associação — quase 200 mil euros — foram aplicados em estudos sobre o território, abrangendo áreas como a mineração romana, a botânica e a geologia. Esses estudos permitiram a elaboração do Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto, concluído em novembro de 2018 sob coordenação da arquiteta paisagista Teresa Andresen — e que já teve uma segunda edição, revista e atualizada, em março de 2023.
José Manuel Ribeiro acredita que foi a qualidade desses estudos, projetos e planeamento estratégico que permitiu ao Parque das Serras do Porto conseguir aprovação numa candidatura ao Programa LIFE, garantindo cerca de quatro milhões de euros para o funcionamento da estrutura até finais de 2027.
É graças ao Programa LIFE que João Valente, Paulo Nogueira e Vítor Alves percorrem diariamente a área do parque, executando operações essenciais à preservação da natureza. O foco tem sido o controlo de plantas invasoras e a gestão das áreas reflorestadas. O programa cobre apenas 600 dos seis mil hectares do parque, mas, como explica João Valente, a equipa frequentemente intervém noutras zonas que, apesar de não estarem no LIFE, têm impacto na gestão global do território. “Os nossos maiores desafios passam por lidar com os efeitos da atividade humana no parque e pelo controlo das plantas invasoras, que exigem intervenções constantes. Mas o trabalho é gratificante, pois vemos o efeito direto das nossas ações na recuperação e preservação da natureza”, resume.

Participação Pública

A monocultura do eucalipto e as plantas invasoras, como as acácias e a háquea, são as principais razões de preocupação da equipa operacional, que assume também um papel determinante na prevenção de incêndios. O dia a dia de João, Vítor e Paulo é sempre diferente, mas o objetivo mantém-se. As frustrações que vão tendo relacionam-se com a negligência e o dolo de quem faz depósitos de lixo, por um lado, ou de quem impede o avanço de uma gestão mais profissionalizada porque não quer “estranhos” na propriedade privada.

Mas os progressos são visíveis. Na zona do antigo sanatório de Valongo, a equipa conseguiu limpar uma extensa área infestada por háquea – uma planta invasora de difícil erradicação – através de cortes e fogo controlado. Há proprietários que cedem terrenos ao parque para reconversão florestal, especialmente áreas de eucaliptal. A Câmara Municipal de Valongo também tem adquirido terrenos para facilitar a gestão ambiental. “O meu sonho era conseguir comprar mais terrenos para poder reflorestar sem depender de autorizações de terceiros”, admite José Manuel Ribeiro.

A Câmara de Valongo é a que mais tem investido nessas aquisições. Já a Câmara de Paredes, município onde se situa a maior área do parque, também tem feito a sua parte. “O Parque das Serras do Porto ainda é um projeto jovem, mas tem um enorme potencial. Quanto mais conseguirmos alterar e qualificar o coberto florestal, maior será o nosso impacto positivo. Mas queremos ir além disso. Acreditamos no potencial do parque para impulsionar o turismo de natureza. Queremos que o concelho de Paredes seja conhecido não apenas pela sua forte indústria, mas também como um destino onde as pessoas possam desfrutar da natureza, de paisagens deslumbrantes e de um turismo rural de qualidade”, vaticina Alexandre Almeida.

Em 2025, a presidência rotativa da Associação de Municípios Parque das Serras do Porto pertence à Câmara de Gondomar. Luís Filipe Araújo, recém-chegado ao cargo, assume que, entre as muitas funções que passou a exercer, encara o desafio das Serras do Porto como um dos mais apaixonantes. “É um projeto que reúne inúmeros desafios e oportunidades. Desde logo, porque une três municípios distintos num esforço conjunto cujo impacto ultrapassa as suas fronteiras administrativas. Na verdade, trata-se de um projeto de importância metropolitana, verdadeiramente estratégico, uma mais-valia ambiental sem paralelo em toda a Área Metropolitana do Porto. E, como tal, exige um cuidado especial e uma visão sustentada a longo prazo”, assegura o autarca.

Esse cuidado especial tem sido aplicado desde o início. Muito por influência, talvez, de Teresa Andresen, que trouxe um forte compromisso a todos os envolvidos. José Carlos Mota, responsável pela organização do processo participativo a convite da arquiteta paisagista, reconhece que a experiência ali desenvolvida fez escola e estabeleceu novas práticas. O Laboratório de Planeamento e Políticas Públicas (L3P), que criou no seio da Universidade de Aveiro, desenvolveu-se a partir da experiência iniciada com a discussão do Plano de Gestão do Parque das Serras do Porto.

Ali se provou que, mais eficaz do que em assembleias e anfiteatros, reunir as pessoas em torno de uma mesa redonda permite que todos falem. Fez-se o diagnóstico, definiu-se uma visão, identificaram-se necessidades e recursos existentes, desenharam-se objetivos e propuseram-se medidas de ação em vários eixos estruturantes: património natural, cultural e florestal; medidas de prevenção e combate a incêndios florestais; e a utilização do parque para atividades de turismo, lazer e recreio. “Através de metodologias de diálogo mediado, convocam-se perspetivas diferentes, aproximam-se linguagens, reduzem-se assimetrias de poder e procura-se construir narrativas comuns de futuro”, sintetiza José Carlos Mota.
É neste tipo de exercício que é possível reunir à mesma mesa um ex-presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, como Braga da Cruz, e uma habitante da aldeia de Couce, ambos a escutarem os pontos de vista uns dos outros e a colocarem-se no lugar do outro. “Moradores, proprietários, cientistas e investigadores, associações, empresários, ativistas, técnicos e políticos municipais e de freguesia – todos se juntam para conversar. E, no final, há sempre uma síntese para estruturar o que resultou do exercício”, recorda José Carlos Mota.
Graças a esse processo participativo, por exemplo, criou-se o Clube de Escolas, uma iniciativa conjunta dos três municípios que envolve diversas escolas na promoção de atividades ligadas ao parque. Também foi a partir desse diálogo que se redigiram regras e regulamentos que permitem que, numa área tão vasta, possam coexistir interesses tão distintos. O caminho que se está a trilhar é o de uma gestão integrada e participativa, de modo a que esta Paisagem Protegida Regional seja encarada como uma mais-valia para todos os envolvidos – acautelando, sempre, o que cada um mais preza. Inclusive o sossego de Manuel Soares.

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Ficha Técnica

Textos: Abel Coentrão e Luísa Pinto

Fotografia e Vídeo: Teresa Pacheco Miranda

Edição: Gabinete de Comunicação da CCDR NORTE

Coordenação: Jorge Sobrado

Identidade Gráfica: Opal Publicidade